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quarta-feira, 30 de março de 2016

Ordem de nascimento e personalidade

Karl Konig, um renomado médico que viveu entre 1902 e 1966, muito conhecido por seu trabalho com adultos e crianças deficientes, escreveu sobre as influências que a ordem de nascimento exercem em nosso modo de vida, especialmente em nosso comportamento social. O autor faz estas observações com base em sua experiência com seres humanos e em seus próprios estudos.

Particularmente, achei as descrições dos filhos únicos, primeiros, segundos e terceiros filhos extremamente apropriadas. (As descrições do comportamento do primeiro, segundo e terceiro filhos equivalem ao quarto, quinto e sexto filhos respectivamente, ou ao sétimo, oitavo e nono respectivamente, ou ao décimo, décimo primeiro e décimo segundo, e assim por diante).

Dito isto, segue abaixo, resumidamente, a análise do autor sobre a visão de mundo de cada um dos seguintes indivíduos com base em sua ordem de nascimento:

FILHO ÚNICO:

O filho único encontra-se na soleira da porta: não está dentro nem fora. Atrás dele está o abrigo do seu ninho; à sua frente, a glória do mundo. Ele é tanto incapaz de aproveitar o calor de seu ninho como de ousar mergulhar no descompromisso da vida.

Ao redor do filho único, o mundo é alheio a si, porém conhecido. Ele pode observar e até estar presente nas atividades da vida, mas não pode efetivamente participar do mundo.

O filho único deseja estar com os outros, mas quando está, quer ficar só. Esta é a posição ambígua das emoções de um filho único - encontrar-se e estar com os outros e ao mesmo tempo abster-se de fazê-lo. A companhia de outras pessoas (que não os pais do filho único) é difícil e pesada.

Quando um filho único se torna adulto, permanece numa espécie de esplêndido isolamento. De alguma forma, ele se coloca no limiar da existência, incapaz de penetrar na plenitude da vida.

O filho único pode alcançar altas posições na vida, mas internamente será sempre um eremita, um homem que almeja o companheirismo, mas que muito raramente o alcançará.

PRIMEIRO FILHO:

Esta criança, a primeira a vir, é realmente esperada com ansiedade, e sua entrada é preparada como a entrada de um príncipe. Nenhuma outra criança pode compartilhar desta entrada triunfal na vida terrena. O segundo e o terceiro podem ser bem-vindos, mas o fato do nascimento deixou de ser uma ocasião especial como foi quando nasceu o primeiro filho.

No momento em que primeiro e segundo filho entram em contato, o choque para o segundo filho é, às vezes, até maior que para o primeiro filho. Ele pretendia vir e ligar-se a seus pais e, de repente, descobre uma terceira pessoa que já está ocupando um lugar que deveria ser seu. Aqui se desenvolvem duas atitudes bastante diferentes: o primeiro filho tem de defender o seu lugar, o segundo tem de conquistar o que está sendo defendido por outro.

O primeiro filho é um defensor: defensor da fé, da tradição, da família. Ele preserva o passado contra a investida de quaisquer ideias e ações novas. Ele tem de manter o que já foi conseguido, tem de preservar o passado, independentemente de gostar dele ou não. Seria interessante constatar quantos primogênitos estão na categoria de juízes, legisladores. Onde lei e ordem, tradição e continuidade são necessários, o primogênito tem o seu lugar. O primeiro filho é o herdeiro da coroa, da liderança da família, seja ela material ou espiritual. Todas essas tarefas e posses são depositadas em suas mãos e sobre seus ombros, pois desde a tenra infância ele foi treinado na atitude de defesa e irredutibilidade.

Ele é um elo entre os pais, de um lado, e seus irmãos, de outro. Um elo, no entanto, pode ser uma ponte ou uma barreira, como um portão, que está ora aberto, ora fechado.

Diferentemente do filho único, que é um ser solitário, o primeiro filho tem uma figura de líder. Possui um alto senso de responsabilidade e frequentemente se sentirá envolvido em muitas coisas que acontecem a seu redor. Podem também desenvolver uma grande dose de orgulho e uma atitude dominadora a fim de cumprir com as demandas de seu próprio alto senso de responsabilidade.

Muitos primogênitos tornam-se amargos e adquirem um sentimento de perda quanto têm a impressão de que pouca atenção é dada à posição que alcançaram.

Existe também um constante sentimento de culpa ligado a suas conquistas. Isto porque eles tiveram de antecipar-se diante de certas possibilidades desde sua infância. O primeiro filho tem de defender, mesmo quando gostaria de atacar; tem de cumprir mesmo quando acha errado fazê-lo. Ele representa o lento, embora firme, movimento de vanguarda na marcha do desenvolvimento da humanidade.

Há frequentemente uma tensão forte e amarga na estrutura emocional dos primogênitos. Muitos deles podem vivenciar um sentimento de impaciência para alcançar o topo da escada; esse sentimento decorre de um desejo de reformar o mundo, mas que encontra barreira na sua necessidade de preservar e defender.

Um primeiro filho raramente pode experimentar o encantamento e a beleza da infância. Desde o início é mais consciente de tudo que o cerca e de si próprio, perdendo assim a atitude natural da criança. Todos os primogênitos são a base da ponte sobre a qual todos os outros homens marcham. Essa é a tarefa especial que lhes é dada.

SEGUNDO FILHO:

A Bíblia descreve os primeiros dois irmãos da humanidade de forma característica. Caim era um 'lavrador da terra'; Abel um 'guardador de ovelhas'. A sentença que foi proferida sobre Adão quando foi expulso do Paraíso ("Maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida; ela te produzirá espinhos e tu comerás e erva do campo" - Gênesis 3, 17-18), foi transferida a Caim, que herda a culpa de seu pai e tem de carregá-la ele próprio. O primogênito torna-se o portador da sentença lançada sobre seu pai. Ele tem de lavrar a terra e redimi-la por meio do trabalho de suas mãos.

Abel, pastor, é de natureza diferente. É o amigo e companheiro de seu rebanho; vive entre seus amigos e compartilha de sua vida despreocupada. Podemos retratá-lo sentado sobre o tronco de uma árvore, modelando uma flauta a partir de uma ramo e tocando uma melodia de alegria e reverência, imerso na beleza silenciosa do mundo. Seu coração e sua mente estão imersos nas maravilhas dessa Terra.

Abel, apesar de assassinado pelo irmão, permanece seu companheiro constante. Em todo segundo filho nasce um novo Abel. Ele porta internamente o anseio pelo Reino de Deus, ao qual quer voltar. Abel raramente é um lutador. É normalmente um pioneiro, um pesquisador, um poeta, um santo. Não está muito envolvido com assuntos mundanos. Gosta de viver sem fazer esforço de mais. A existência não significa exclusivamente suor e trabalho; é alegria e êxtase, experiência e sonho. Abel lida com as coisas muito mais facilmente que Caim. Seu coração ama o mundo porque este não representa uma ameaça tal como para Caim. Abel tem senso de humor e é necessário muito desapontamento para fazê-lo sentir-se mal-humorado, enquanto Caim fica facilmente perturbado e aborrecido. Caim vive sob o manto do dever; a vida para ele é uma obrigação que precisa ser honrada de todas as formas possíveis. Caim desaprova o lazer e a alegria de um dia livre ou um passeio no parque.

Todo segundo filho é dotado de forças espirituais que são suas por herança. Ele está mais próximo do Reino de Deus que qualquer pessoa sobre a Terra. Enquanto os primeiros filhos são os verdadeiros habitantes desta Terra, os segundos filhos são hóspedes. Para eles, a Terra não é senão um lugar temporário de morada.

TERCEIRO FILHO:

Existe um hiato entre o primeiro e segundo filhos, de um lado, e o terceiro filho, de outro. O primeiro e o segundo coexistem necessariamente, não importando o quão diferentes possam ser. Seus destinos estão intimamente ligados. O terceiro filho aparece como alguém de fora. Os dois primeiros começam a aceitar-se mutuamente e a partilhar suas vidas quando, subitamente, um estranho chega. Agora, um filho único faz frente a outros dois. Os dois primeiros aprenderam a conhecer um ao outro durante um tempo considerável; eles aprenderam a andar juntos. De repente, um recém-chegado se aproxima. É bastante natural que os dois primeiros se unam contra o terceiro.

Um terceiro filho pode gradualmente fazer sua entrada no círculo dos primeiros. Poderá, inclusive, fazer um grande empenho nessa tarefa e tentará, sob todas as formas, qualificar-se como um parceiro respeitável de seus antecessores. Se, no entanto, for uma criança com poucas qualidades de luta, o terceiro filho permanecerá trás e irá preferir ficar amuado do que partir para uma conquista.

Aqui nós encontramos duas atitudes fundamentais dos terceiros filhos. Eles sentem-se afastados de outras pessoas. Esta separação, no entanto, é diferente daquela encontrada nos filhos únicos, pois os filhos únicos mostram sempre um certo grau de indiferença, está acima das outras pessoas. Já a solidão do terceiro filho tem um sabor diferente. Ele suporta a dor aguda da inferioridade. A criança almeja tomar seu lugar entre os outros, já que vive sob a forte impressão de que os outros não se preocupam com a sua existência e não fazem questão de tomar conhecimento dela.

Uma boa dose de desconfiança em relação às outras pessoas cresce nos terceiros filhos. Eles sentem-se negligenciados, e suas reações podem ser de duas formas. Ou eles se retiram para o interior do seu próprio ser ou juntam suas forças e atiram-se, tentando conquistar pela força o que, de outra forma, não seria seu.

O terceiro filho tem uma natureza complexa, e podem desenvolver em muitas direções diferentes. Ele dificilmente encontrará uma vida pacífica e regular. Muitos tentam correr depressa demais na vida e acabam tombando, exaustos. Outros buscam um objetivo muito alto, mas a força não é suficiente para alcançá-lo. Há também os que sentem uma solidão tão insuportável que tomam o caminho para o interior, tornando-se pessoas muitos boas. E há os que, com sua força interior, se superam.

Na Bíblia, o terceiro filho é Set, mas nada além do nome é mencionado na Bíblia. A Lenda conta que Set, tendo compaixão por seu velho pai Adão, que sofre de uma grave doença, sai em busca dos portões do Paraíso, onde consegue entrar e recebe três sementes da Árvore da Vida. Quando seu pai morre, ele enterra as sementes juntamente com Adão e, de lá, uma árvore começa a crescer. Dessa árvore, foram feitos o bastão de Moisés, os pilares do templo se Salomão e a cruz Gólgota. Ou seja, Set trouxe o futuro da humanidade das mãos, preparou o futuro, superou seu próprio destino.
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Entendo que pode haver casos em que as descrições parecem não fazer sentido; nessas hipóteses, há que se atentar para outros diversos fatores (biológicos, ambientais etc) que, da mesma forma, são aptos a influenciar o modo de ser e viver de cada um.

De toda forma, observando os diversos exemplo que me rodeiam, achei impressionante como a descrição do autor faz sentido. E, para cada um de nós, como filhos únicos, ou como primeiros, segundos, terceiros, quartos filhos, ter conhecimento desse nosso funcionamento interno (decorrente da ordem de nascimento) ajuda, e muito, a entendermos a origem de alguns sentimentos e, assim, isolá-lo ou controlá-lo para que possamos, com maior facilidade, alcançar nossos objetivos de vida. 

sexta-feira, 18 de março de 2016

Existência em degradê

Me dei conta de que tudo, tudo, na vida tem seu tempo. De nada, nada, adianta a ansiedade, a pressa, a agitação, a aflição. É claro que a ansiedade tem sua função biológica: deixar-nos atentos aos perigos, sermos capazes de agir na hora certa. Mas é só. Ponto. Não adianta querer que as coisas se resolvam antes do tempo. Tudo, tudo, segue seu curso naturalmente, passo a passo, etapa após etapa. A natureza não dá saltos. Nem que quisermos fazê-lo artificialmente. Perceba: simplesmente, não dá para atropelar. Um dia só surge após terminada uma noite que, por sua vez, só clareia quando o sol tem a chance de lançar seus perímetros raios, mas só pela manhã, não de madrugada. O ano que vem, 2017, só chegará em nove meses. Falando em nove meses, o bebê no útero só estará totalmente pronto depois desse período; se nascer antes, algo falta em seu desenvolvimento. Um carro só prossegue no trânsito se o da frente sair do lugar: dois objetos não ocupam o mesmo espaço, nem que você buzine por horas. Um machucado não cicatriza em minutos; precisa de dias. A chuva não cai de repente num dia azul e claro; ela precisa se formar. O que somos hoje foi formado ao longo de uma vida; não nascemos como somos hoje. E nem se fale em Deus: Deus criou o mundo em sete dias! E olhe só: Ele é Deus! Prova de que o novelo se desenrola; ele não vira linha reta num passe de mágica.

Foi com base na observação de que nenhuma transformação acontece bruscamente que passei a abrir os olhos para a doutrina espírita ainda criança, quando li "Reencarnação sem Mistérios", do meu tio José Carlos de Camargo Ferraz. Nesse livro, ele nos conduz a observar essa gradual transição do estado das coisas para concluir não ser possível passarmos da vida à morte de repente; existe a passagem por uma espécie de hospital da alma, onde outros espíritos auxiliam na compreensão da passagem à nova fase (pós-morte).  

Pois bem, hoje, esperando minha vez na fila de um banco por longos minutos que quase completaram uma hora, voltei a ter essa sensação da continuidade dos eventos da existência, cada um em seu devido tempo. E essa constatação veio no exato momento em que percebi que meu cérebro já se punha a culpar o caixa lento, o excesso de idosos na fila preferencial, o Brasil e tudo o mais pela minha (longa) espera. Não. Não é culpa de nada nem ninguém. O universo é que é assim.

Diante disso, passei a aproveitar aqueles minutos para observar pessoas (algo que amo fazer), ler folhetos informativos, pensar simplesmente. Saibamos admirar o desenvolvimento da vida cada vez que somos obrigados a parar para esperar próximo passo. Consigamos substituir a pressa por sabedoria, abrir os olhos e contemplar. Contemplar a ferida aberta enquanto ela não se cura, ouvir uma boa música enquanto o trânsito não anda, ler um livro nas noites de insônia, curtir uma gestação enquanto ela não chega ao fim, aproveitar o dia lindo enquanto não chove, ou a chuva enquanto ela não passa. Enfim, curtir a vida enquanto não chega a hora de, natural e inevitavelmente, iniciarmos uma nova etapa.




terça-feira, 8 de março de 2016

segunda-feira, 7 de março de 2016

Ele se foi, mas ficou

Quando cheguei em casa ontem, meu peixinho beta azul não estava... (Na verdade, meu peixinho beta azul era do meu filho mais novo). Vazio. Um peixe... Ainda tenho o vermelho, aquele que, no início, era mais espertinho... (Na verdade, meu peixinho vermelho é do meu filho mais velho). Um peixe... Quão estranho pode ser olhar para um aquário vazio, especialmente quando ele fica ao lado de um outro, cheio. Deixaram o aquário sem água; mantiveram as pedrinhas, o barquinho por onde o peixe passava, as plantinhas artificiais. Falta só o peixe azul... Não tenho ideia da causa da sua morte. Suspeito que intoxicação por terem lavado o aquário com detergente, mas é só uma hipótese. 

Esquisito, ele era só um peixe, pequeno, frágil. Mas tinha vida, assim como nós. Nadava rápido na direção de quem se aproximava do aquário, por certo instinto de que era chegada a hora da alimentação. Era gostoso procurá-lo em meio às plantinhas, descobri-lo escondido dentro do barco. Acolhemos o peixe azul como parte da nossa família, juntamente com o vermelho. Eram dois, o parzinho. 
Com o passar do tempo, fui aprendendo a me desapegar do material, mesmo. Mas o peixe não era material, ele era vida. E me acostumei com essa vidinha azul se movendo no cantinho da minha copa.

Está sendo ruim o sentimento de perda que a morte do peixe azul me causou. Explicamos para o Lucas que peixes beta têm vida curta e ele aparentemente está bem com a informação. Mas eu, eu não estou tão bem.

Para mim, a morte do peixinho deixou um espaço em branco, como deixam todas as vidas que passam pelas nossas vidas, e se vão. O peixe vermelho permanece (bem mais sossegado, suponho, pois agitava-se de vez em quando ao notar o azul no outro aquário -- peixes beta macho atacam-se por natureza). Mas o peixe vermelho não é o azul; eles eram dois, e um se foi. É óbvio que vou esquecer do meu apego ao peixe azul daqui a um tempo. Outras memórias mais lindas e mais significativas vão ocupar o lugar do peixinho. Mas enquanto o tempo não passa, vou ter que aceitar esse vácuo, até que o vazio, aos poucos, se vá.

Esse é o ciclo: vidas que entram nas nossas vidas, deixam marcas (profundas ou superficiais) em nós e, muitas vezes, nos deixam, mas deixam lembranças e, assim, permanecem em nós, por pouco ou muito tempo, ou, conforme o caso, para sempre, enquanto durarem as nossas vidas.

Eu realmente não faço ideia do que se passa pela cabeça de um peixe beta, mas sei um pouquinho da mente humana e tenho certeza de que Saint-Exupery estava certo: "Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si. Levam um pouco de nós." O peixe azul  deixou muito de si no meu lar; e ele é apenas um simples, delicado e frágil peixe azul....