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sexta-feira, 18 de março de 2016

Existência em degradê

Me dei conta de que tudo, tudo, na vida tem seu tempo. De nada, nada, adianta a ansiedade, a pressa, a agitação, a aflição. É claro que a ansiedade tem sua função biológica: deixar-nos atentos aos perigos, sermos capazes de agir na hora certa. Mas é só. Ponto. Não adianta querer que as coisas se resolvam antes do tempo. Tudo, tudo, segue seu curso naturalmente, passo a passo, etapa após etapa. A natureza não dá saltos. Nem que quisermos fazê-lo artificialmente. Perceba: simplesmente, não dá para atropelar. Um dia só surge após terminada uma noite que, por sua vez, só clareia quando o sol tem a chance de lançar seus perímetros raios, mas só pela manhã, não de madrugada. O ano que vem, 2017, só chegará em nove meses. Falando em nove meses, o bebê no útero só estará totalmente pronto depois desse período; se nascer antes, algo falta em seu desenvolvimento. Um carro só prossegue no trânsito se o da frente sair do lugar: dois objetos não ocupam o mesmo espaço, nem que você buzine por horas. Um machucado não cicatriza em minutos; precisa de dias. A chuva não cai de repente num dia azul e claro; ela precisa se formar. O que somos hoje foi formado ao longo de uma vida; não nascemos como somos hoje. E nem se fale em Deus: Deus criou o mundo em sete dias! E olhe só: Ele é Deus! Prova de que o novelo se desenrola; ele não vira linha reta num passe de mágica.

Foi com base na observação de que nenhuma transformação acontece bruscamente que passei a abrir os olhos para a doutrina espírita ainda criança, quando li "Reencarnação sem Mistérios", do meu tio José Carlos de Camargo Ferraz. Nesse livro, ele nos conduz a observar essa gradual transição do estado das coisas para concluir não ser possível passarmos da vida à morte de repente; existe a passagem por uma espécie de hospital da alma, onde outros espíritos auxiliam na compreensão da passagem à nova fase (pós-morte).  

Pois bem, hoje, esperando minha vez na fila de um banco por longos minutos que quase completaram uma hora, voltei a ter essa sensação da continuidade dos eventos da existência, cada um em seu devido tempo. E essa constatação veio no exato momento em que percebi que meu cérebro já se punha a culpar o caixa lento, o excesso de idosos na fila preferencial, o Brasil e tudo o mais pela minha (longa) espera. Não. Não é culpa de nada nem ninguém. O universo é que é assim.

Diante disso, passei a aproveitar aqueles minutos para observar pessoas (algo que amo fazer), ler folhetos informativos, pensar simplesmente. Saibamos admirar o desenvolvimento da vida cada vez que somos obrigados a parar para esperar próximo passo. Consigamos substituir a pressa por sabedoria, abrir os olhos e contemplar. Contemplar a ferida aberta enquanto ela não se cura, ouvir uma boa música enquanto o trânsito não anda, ler um livro nas noites de insônia, curtir uma gestação enquanto ela não chega ao fim, aproveitar o dia lindo enquanto não chove, ou a chuva enquanto ela não passa. Enfim, curtir a vida enquanto não chega a hora de, natural e inevitavelmente, iniciarmos uma nova etapa.




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