Páginas

segunda-feira, 11 de abril de 2016

O querida de hoje


Hoje, como em toda segunda-feira, fui levar meu filho mais velho à terapia. Como sempre, deixei o caro em um estacionamento próximo, pois nunca há vaga livre na redondeza.

Até hoje, eu detestava que estranhos me tratassem por "querida". Mas quando o manobrista (que conheço há alguns meses mas não deixa de ser um estranho) me disse "boa tarde, querida", eu gostei. Gostei porque vi simpatia nele. Notei que o intuito era receber a mim e ao meu filho da melhor forma. Meu filho adora o Mingau, o gatinho branco que mora no estacionamento. Eram dois gatinhos, mas um morreu atropelado um pouco antes de chegarmos lá numa segunda-feira do mês passado, e meu filho ficou arrasado. "A mulher não viu que ele estava embaixo do carro quando deu ré". Meu pequeno ficou inconsolável, chorou, e me encheu de perguntas ("o que o gato quis fazer embaixo do carro?" "saiu sangue?" "o Mingau ficou triste?" etc etc). Ele também me perguntou se o manobrista morava lá. Faz sentido, porque dentro do estacionamento fica uma espécie de casinha (um cômodo) com cama, criado-mudo, um armário, TV, fogão, pia, prateleira com mantimentos. Tem até tapete, um quadrinho na parede. Eu não soube responder. Insatisfeito, perguntou ao manobrista (corei!), e obteve resposta afirmativa. Agora, toda segunda-feira ele convida meu filho para entrar em sua casa e fazer carinho no gato. Ele nos convida à sua casa.

Não se passam mais de cinco minutos em cada segunda-feira enquanto eu e meu filho convivemos com o manobrista e o gato (e mais um ou dois senhores que, sentados em cadeiras velhas na calçada em frente à porta da casinha, me lembram muito cenas do século passado). Mas os instantes de acolhida pelo manobrista e sua turma vividos até hoje foram suficientes para me fazer apreciar um querida de sua parte.

É óbvio que um querida dito automaticamente, ou com frieza ou, pior, por alguém que eu sei que não me quer, não significa nada. Talvez eu continue detestando esse tipo de querida. Mas o do manobrista foi sincero.

Tudo depende do modo como se diz, do contexto, da intenção, e do que a gente entende subliminarmente, ou seja, do que não se diz, mas se percebe. O que é essência vem daí, dos sentidos, da intuição, do coração. Precisamos estar dispostos à troca, a permitir que exista contato com o que há de sublime no outro. Assim é possível extrair o mais importante da vida. Hoje eu vi muito além da palavra, e gostei do que vi. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário