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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Uma forma de entrar na vida de outras pessoas

Pelo Facebook, minha mãe recebeu uma mensagem de uma moça que dizia lembrar-se dela aos seis anos, quando minha mãe "fazia as mais lindas e maiores pontas de lápis de cor" (!!!). Até agora, minha mãe não tinha ideia de que se dedicara a caprichar em pontas de lápis de cor aos seis anos. Na verdade, pode ser que ela nem tenha se dedicado tanto, mas as tais pontas ficaram na memória da moça por todo esse tempo. Parei pra pensar na repercussão de nossos atos, na capacidade que temos de criar lembranças indeléveis para outras pessoas por meio de atitudes para nós insignificantes. E na possibilidade de termos lembranças de outras pessoas devido a um gesto, um olhar, uma palavra que, para elas, podem ter sido apenas um gesto ou um olhar inconsciente ou uma palavra dita por acaso.

Lembro de um episódio, eu devia ter uns seis anos também... Uma colega de colégio mais velha, durante o recreio, pediu para ver minha pasta de papeis de carta que, por algum motivo, eu levara à escola. Neguei. Ela puxou meu cabelo (lembro bem: eu tinha cabelo comprido; foi na ponta logo abaixo do meu ombro direito!). Me lembro do que senti: indignação. Eu devieria ter, ao menos, dito alguma coisa. Mas nada fiz. E deveria ter feito. Talvez por isso (o sentimento de indignação) eu tenha gravado esse evento até hoje. Mas existem enormes chances dessa menina ter sido uma boa menina, e ter se tornado uma boa mulher.  E fato: eu não levo mais desaforo pra casa.

Eu me lembro da minha primeira grande amiga, a Jacqueline. Ela era carioca, e nos conhecemos no pré-primário. Fomos melhores amigas por um bom tempo até que ela voltou a morar no Rio de Janeiro. Nos comunicamos por carta durante um tempo, mas as cartas foram rareando e a amizade acabou. Sei que foi esse episódio que me ensinou a lição: manter uma amizade depende de atitudes; uma amizade não se mantém na inércia das partes. E foi na casa da Jacqueline que eu tive a sensação do que é ter um irmão (sou filha única). Adorei ter brincado com o irmãozinho dela numa tarde, e tenho o Nicolau na lembrança até hoje; mas tenho certeza de que ele não tem noção disso. Assim como a Lilian, que trabalhou na casa da minha mãe quando eu tinha uns nove anos, não deve saber quantas vezes me recordo das nossas sessões de costura (ela, que dormia em casa, pacientemente, deixava de ver sua novela da noite para costurarmos roupinhas para minhas Barbies -- minha mãe providenciava os tecidos).  Aliás, onde estará a Lilian?!... Lembrará a Lilian dessas noites adoráveis?! Talvez se forçar sua memória, mas creio que não assim como é para mim um lembrança tão espontânea...

Esses são alguns momentos de que me lembro, e que por certo deixaram lições e crenças para a minha vida. Mas há também lições que tomamos e levamos para a vida e que vêm de situações das quais não nos lembramos mais, mas que tiveram, por certo, a participação de pessoas que passaram pela nossa história (e que nunca terão a mais breve ideia de que deixaram marcas em nós, muitas vezes para sempre).

Seja por uma lembrança gostosa ou ruim, ou por uma lembrança que deixou um ensinamento, ou por um ensinamento puro e simples que levamos conosco: há sempre um outro ser humano envolvido, e dessa forma, ele terá deixado um pouquinho de si para nós. É assim que minha mãe viveu por anos na colega, e é assim que minha colega de escola, a Jacqueline, o Nicolau e a Lilian vivem em mim.

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